FUNDAMENTAÇÃO EXEGÉTICA PARA UMA TEOLOGIA DO MINISTÉRIO FEMININO – UMA ANÁLISE DE 1TIMÓTEO 2:11-14
Por Rômulo Monteiro
1 INTRODUÇÃO
A primazia da exegese histórico-gramatical no processo da produção teológica é a razão de ser desse artigo. Para esse autor, teologia pressupõe exegese. Tal pressuposto metodológico torna a exegese de 1Timóteo 2:11-14 indispensável para qualquer formulação teológica do ministério feminino.
Quanto à escolha do texto, trata-se do escrito mais direto e amplo dentro da temática no NT. A limitação de espaço nessa obra explica a ausência da análise no verso 15, bem como adverte o leitor de que há muito a ser dito. Contudo, se queremos começar a entender a teologia do ministério feminino, esse deve ser o primeiro passo: a exegese de 1Tm. 2:11-14.
Neste artigo, sigo um caminho antigo: a exegese histórico-gramatical. Para ser mais exato, exegese puramente gramatical, pois não lido com dados históricos. Tal omissão, contudo, não é uma opção metodológica. Ela simplesmente revela as limitações de espaço, bem como reconhece que, neste caso específico, tal conhecimento não determina a aplicabilidade normativa da passagem para os nossos dias. Logo, sua ausência não desprestigia as conclusões que seguem.
2 "ESPOSO" & "ESPOSA" OU "HOMEM" & "MULHER"
Há elementos sintáticos e contextuais que nos impelem a pensar em "mulher" (gunh,) e "homem" (avndro,j) como uma referência genérica e não uma menção ao grupo específico das "esposas" ou "maridos" (cf. ARC [1969], ACF [1995], ECA). Caso trate-se de uma referência específica, teremos uma proibição do ensino e do exercício da autoridade confinada ao contexto do lar e/ou das relações conjugais.
Em primeiro lugar, os substantivos em questão são genéricos por natureza. No entanto, a presença do artigo junto a "mulheres" no v.9 em contraposição a "homens" no verso anterior; ou junto ao substantivo "homem" no verso 12, afetaria o sentido visto que poderia ter a força de um pronome possessivo (cf. WALLACE, 1996, p. 183). Assim, "se Paulo queria confinar sua proibição no verso 12 às 'esposas' no relacionamento para seus maridos, era esperado o uso do artigo definido ou um pronome possessivo com homem" (MOO, in PIPER, 1991, p. 183 – tradução e itálico nosso). Teríamos a seguinte tradução: "Eu não permito uma mulher ensine ou exerça autoridade sobre seu homem (marido)".
Em segundo lugar, há um intercâmbio envolvendo plural e singular com substantivos genéricos em boa parte do documento (cf. de 2:8 à 3:16). Essa alternância do plural anartro (sem artigo) dos vv. 9-10 e do singular anartro dos versos 11-12 reforça a idéia genérica. Em 2:15 encontramos a mesma alternância de número, agora com os verbos gregos "preservada" (swqh,setai[3ª pessoal do singular]) e "permanecer" (mei,nwsin [3ª pessoa do plural]).
Em terceiro lugar, o contexto também reforça o conceito genérico de mulher. As exigências das boas obras e do cuidado no vestir são exortações gerais e todos concordariam que não devem ser aplicadas somente às esposas. O advérbio "igualmente" ou "semelhantemente" (w`sau,twj) liga as exortações direcionadas aos homens às mulheres. Se as ordens aos homens visam somente os maridos, o mesmo seria para as mulheres-esposas. Porém, não há nada no contexto que restrinja esses homens a categoria específica de "esposos", pois, assim como as exigências feitas às mulheres, as exigências de levantar as mãos e orar sem ira e animosidade são gerais e não se aplicam somente aos maridos ou ao contexto do lar. Todo o texto, portanto, nos direciona ao comportamento exemplar de toda família cristã na reunião de adoração.
2. O SILÊNCIO
A expressão "em silêncio" (evn h`suci,a|) aparece tanto no começo como no final dessa seção (inclusio). Diante disso, vários estudiosos têm sugerido uma estrutura quiástica. Charles Powell sugere a seguinte:
A Gunh. evn h`suci,a| A mulher em silêncio
B manqane,tw Aprenda
C evn pa,sh| u`potagh/|\ Em toda submissão
B' dida,skein de. gunaiki. ouvk evpitre,pw avll Ensinar a mulher eu não permito
C' ouvde. auvqentei/n avndro,j( Nem exercer autoridade de homem
A' ei=nai evn h`suci,a|Å Mas esteja em silêncio (POWELL, 2004)
E Douglas Moo:
A Gunh. evn h`suci,a| A mulher em silêncio
B manqane,tw Aprenda
C evn pa,sh| u`potagh/|\ Em toda submissão
B' dida,skein de. gunaiki. ouvk evpitre,pw avllV ouvde. auvqentei/n avndro,j(
Ensinar não permito nem exerça autoridade de homem
A' ei=nai evn h`suci,a|Å Mas esteja em silêncio (MOO, 1980, 64).
Em todas as propostas quiásticas há consenso em pelo menos dois elementos: 1) A posição de evn h`suci,a|Å (em silêncio) tanto ligando-se a "aprender" como a "não ensinar" e 2) O contraste entre "não ensinar" e "aprender". Veremos que essas relações nos ajudam a entender melhor a natureza silêncio em questão.
Muitos estudiosos fundamentando-se na escolha de h`suci,a (e não sigh,) e no seu uso em outras passagens (e.g., 1Pe. 3:4, esp. 1Tm. 2:2) entendem que o melhor significado seria "quietude" e não "silêncio". Porém, o texto nos informa que "silêncio" é tanto uma forma de "aprender" como também de "não ensinar". Assim, "o antônimo mais natural para ensino neste contexto é 'silêncio'" (SCHREINER, in KÖSTENBERGER, 1995, p. 123 – tradução e itálico nosso) e não somente "quietude".
Trata-se de um equívoco afirmar que o significado comum de h`suci,a é "quietude" e siga,w é "silêncio". "h`suci,a é a única palavra no seu vocabulário [de Paulo] conhecido que pode claramente denotar silêncio" (MOO, 1981, p. 198 – tradução e itálico nosso). Soma-se a isso, a estrutura quiástica na nota 1 onde "não ensinar" contrasta com "permanecer em silêncio".
3. A ORDEM "NÃO PERMITO".
Sobre a ordem de Paulo, Gordon Fee entende que a melhor tradução seria "não estou permitindo", ou, mais diretamente, "hoje eu não estou permitindo". Ele explica:
Paulo enfoca particularmente a situação de Éfeso. Linguagem como esta, bem como o 'quero' no v.8, carece de qualquer senso de imperativo universal para todas as situações. Isto não quer dizer que ele não considere sua palavra como investida de autoridade, mas que não foi dada a ela o ímpeto de um imperativo universal. (FEE, 1994, p. 87 – itálico nosso).
Assim, para Fee não há ordem. Ou, se há, trata-se de algo circunstancial. A colocação ou a ordem de Paulo tem, portanto, aplicabilidade temporária e específica aos efésios (ad hoc). Os argumentos usados para sustentar a temporalidade da colocação ou ordem fundamentam-se no tempo e modo do verbo (presente do indicativo) bem como no assumido como intrínseco significado temporal de "permito" (evpitre,pw).
Quanto ao tempo e modo do verbo, é fato que Paulo usa o presente do indicativo na primeira pessoa do singular para ordens universais (Rm. 12:1). Além disso, "o tempo presente é usado com um objeto genérico (gunaiki,), sugerindo que deve ser tomado como um presente gnômico" (WALLACE, 1996, p. 525). Muitas outras ordens de natureza universal se encontram na mesma situação – primeira do singular, do indicativo presente (cf. Rom 12:1, 3; 1 Cor 4:16; 2 Cor 5:20; Gal 5:2, 3; Eph 4:1; 1 Thess 4:1; 5:14; 2 Thess 3:6; 1 Tim 2:1, 8).
Nenhum cristão questionaria a autoridade das palavras de Cristo por se encontrarem no presente do indicativo. Os ensinos do Senhor no sermão da montanha são precedidos pela fórmula "eu, porém, vos digo". E todas elas foram registradas com verbos no presente do indicativo (cf. Mt. 5:22, 28, 32, 34, 39, 44). A condição sintática, portanto, não determina sua autoridade. Antes, quem e o que se diz.
Mas, e o que dizer da natureza semântica de "permitir" (evpitre,pw)? Os advogados da perspectiva igualitária entendem que a palavra "em si" não tem "peso" de ordem universal. A argumentação, entretanto, enfoca somente no vocábulo. Porém, evpitre,pw pode ter várias possibilidades de significado dependendo do contexto. "Se o que é permitido ou proibido é universal, isso não pode ser determinado pelo tempo do verbo nem seu intrínseco significado. É o contexto em que o verbo surgiu que é decisivo" (SCHREINER, in KÖSTENBERGER 1995, p. 126 – tradução e itálico nosso). Sabemos, por exemplo, que a permissão para os espíritos imundos saírem rumo aos porcos em Mc. 5:13 foi restrita àquele momento. Mas a natureza ad hoc dessa permissão não foi determinada pelo verbo "em si" ou pelo tempo dele, mas pelo que foi permitido.
Conclui-se que o tempo, o modo e o suposto significado "intrínseco" do verbo em questão (evpitre,pw) não são determinantes quanto a universalidade ou não da ordem. Por outro lado, as razões que seguem a ordem nos versos 13 e 14 são grandes indicadores de universalidade e revelam mais da natureza atemporal da ordem do que sua descrição sintática. Nesse caso, a sintaxe nos conta uma parte da história, mas só temos o final com o contexto.
4. ENTENDENDO dida,skw (ensino).
Quando o assunto é ensino ou transmissão da verdade de Deus, dida,skw não é único vocábulo usado pelos escritores neotestamentários. O NT usa outros termos equivalentes como kathce,w "ensinar", "instruir", "comunicar" (Lc. 1:4; At. 18:25; 21:21, 24; 1Co. 14:19. Gl. 6:6); evkti,qemi "expor", "explicar", "apresentar", usada para descrever o ministério de Priscila e Aquila para com Apolo; dianoi,gw "abrir", "explicar", "interpretar" (Lc. 24:32; At. 17:3). Juntos com dida,skw, esses vocábulos, e muitos outros, revelam as inúmeras nuanças ligadas à atividade de comunicar a verdade de Deus tanto na igreja como no mundo.
Pensando especificamente em dida,skw (e seus cognatos)( assim como no nosso português, o campo semântico do vocábulo grego é extenso. A prática do "ensino" incluía uma grande variedade de formas, objetivos, graus de autoridade e conteúdo. dida,skw é aplicado à instrução (Mt. 28:15); ao ensino formal (Rm. 12:7; 1Tm. 5:17); ao informal (Mt. 28:20; Cl. 3:16) e até impessoal (1Co. 11:14). "Ensinar" não era, nem deveria ser, uma prática exclusiva dos chamados "mestres" (dida,skaloj), pois é uma exigência a todos os discípulos de Cristo no processo do discipulado (Mt. 28:20).
A tensão entre a proibição às mulheres de ensinar e a ordem a todos os cristãos à prática do ensino nos conduz a pensar em uma forma mais específica de ensino na proibição paulina. Seguramente Paulo não pode está proibindo todo tipo ou toda forma de ensino. Em Tito ele conclama as mulheres mais velhas a ensinarem as mais novas (2:4). Essa tensão entre o geral (todos devem ensinar) e o específico (só alguns podem ensinar) na natureza do ensino não é exclusividade das pastorais. Em 1Co. 12:28 Paulo nos apresenta o grupo específico dos "mestres" (dida,skaloj). Assim, a despeito de que cada cristão deve ensinar (Mt. 28:20), nem todos são ou devem ser "mestres".
Nossa batalha exegética, portanto, é saber que tipo ou forma de ensino Paulo tinha em mente. Muitos estudiosos têm recorrido ao uso específico de dida,skw nas Pastorais. Para eles, diferente do uso amplo de dida,skw em todo o NT, nesses documentos o vocábulo e seus cognatos fazem referência a um ensino específico – o ensino doutrinário autoritativo.
A sintaxe nos ajuda muito nesse ponto. A relação de "ensinar" (dida,skein) com "autoridade" (auvqentei/n) e o genitivo "de homem" (avndro,j) nos ajudam a entender melhor a natureza da proibição. "de homem" (avndro,j) é objeto tanto de "ensine" quanto de "ter autoridade", pois, segundo Moo (1981, p. 202), objetos ou qualificadores que são dispostos em uma série e só aparecem no segundo, fazem referência ao primeiro também. O que Paulo proíbe, portanto, é o "ensino" ou a "autoridade" de homem. Assim, a ordem de Paulo pressupõe uma distinção entre os sexos. Essa distinção no gênero, por sua vez, é suficiente para se reconhecer mudanças no exercício do ensino. Nas palavras de Saucy:
Se é limitado ao oficial ou não, o que é claramente debatido na proibição é o relacionamento do homem e da mulher. Em nossa opinião, qualquer que seja a aplicação específica de "ensino", ele é o tipo de ensino que dá a mulher uma posição de autoridade sobre o homem […] Paulo em 1Tm. 2:12, não proíbe uma mulher de todo ensino. Paulo proíbe somente a liderança da mulher na comunidade cristã. (SAUCY, in: Women and Men in Ministry, 2001, p. 307 – tradução nossa).
Uma das acusações feitas à interpretação apresentada acima é a de que a profecia é tão autoritativa quanto o ensino, se não mais. Se a mulher não poderia ensinar ou exercer autoridade sobre o homem, como explicar a possibilidade dela profetizar em público? Como ajustar a liberalidade na prática profética (1Co. 11:5; At. 2:17-18; 21:9) e a proibição do ensino?
Uma das soluções tem sido diminuir o peso autoritativo, ou da palavra profética (especificamente no NT), ou da audiência, afirmando tratar-se de cultos realizados nos lares. Não refutaremos esse último argumento por entendermos que não havia uma distinção clara no primeiro século entre público e privado, pois os cultos eram realizados nas casas. Aliás, preocupação de Paulo não é tanto o lugar (cf. v.8 "em todo lugar"), mas o tipo de ensino.
Reconhecemos que há inúmeras diferenças entre os profetas dos dois testamentos. No AT, por exemplo, os profetas faziam parte de um grupo pequeno – seleto. O que não acontece no NT. Contudo, todas as diferenças não afetam diretamente a autoridade da palavra profética neotestamentária. Antes, temos razões para crer que há uma "linha de continuidade" no ato profético em ambos os Testamentos.
Primeiro, o reavivamento da profecia realizado no período do NT foi profetizado em Joel 2:28-32 nos termos da profecia do AT. Isso deveria nos levar a julgar que há continuidade entre os dois períodos e não distinção. "É altamente significante o fato de Pedro ter ligado o início da profecia do Novo Testamento com o fenômeno profético do Antigo Testamento" (FARNELL, 1992, p. 393). O texto não apresenta nada que nos leve a pensar que os profetas prometidos são diferentes qualitativamente do próprio profeta que registra a promessa. Se há uma diferença nesse contexto entre o ato profético do NT e do AT, e há, é o fato de que a capacitação profética no novo período seria dada em grande medida, pois foi aberta a todas as classes da humanidade (At. 2:17). Sua natureza, contudo, não foi afetada.
Segundo, a similaridade do vocabulário e da fraseologia em ambos os testamentos. Os autores do NT não fazem qualquer esforço no campo lexical para expressar uma distinção entre as profecias dos testamentos. O vocábulo profh,thj e seus cognatos são usados tanto para se referir aos profetas e profecias do AT como do NT.
Terceiro, os profetas do NT permaneciam com mesmo prestígio e importância vital. Ef. 2:20 nos informa que os profetas fazem parte da base da igreja. Não podemos pensar que a igreja foi fundamentada em base não autoritativa. A fim de negar a importância dos profetas do NT, Grudem (2000, pp. 45-63) faz uma distinção entre os profetas de 1 Coríntios e os de Efésios. Os últimos, vitais para a igreja, são os mesmos apóstolos. Outros estudiosos, visando à depreciação da autoridade dos profetas do NT, afirmam tratar-se de profetas do AT. Entretanto, tal diferença não tem base contextual, fraseológica, lexical e muito menos gramatical. Em Efésios 3:5 somos informados de que os apóstolos e profetas revelaram o que não foi dado a conhecer aos antigos profetas. Somente "agora" (nu/n), na era da igreja, é que o "mistério" foi revelado. Logo, os profetas não podem ser do AT.
Seriam, então, os apóstolos? Para Grudem (2000, pp. 45-63) a tradução seria: "os apóstolos, que são também profetas". Aqui sua tentativa é depreciar a importância da classe profética do NT usando a gramática grega. Contudo, seu julgamento repousa em fundamento frágil, pois usa a regra de Granville Sharp para defender sua teoria. Wallace nos apresenta o princípio básico da regra:
Quando dois substantivos são conectados por kai, e o artigo antecede somente o primeiro substantivo, existe uma íntima conexão entre os dois. Essa conexão sempre indica algum tipo de unidade. Em um nível mais alto pode conotar igualdade. No nível mais alto pode indicar identidade. (WALLACE, 1996, p. 270 – tradução nossa).
Wallace (1996, p. 272) ainda nos lembra que para o segundo substantivo refira-se a mesma pessoa mencionada no primeiro é necessário que os substantivos não sejam impessoais, nem estejam no plural, nem sejam nomes próprios. A segunda exigência não é atendida no presente texto. Assim, a regra levantada por Grudem para fundamentar a unidade de apóstolos e profetas é gramaticalmente insustentável.
A profecia, pois, sempre foi a mesma: autoritativa. Possui peso de Palavra de Deus. Ser profeta é trazer a mensagem de Deus. Não há razões fundamentadas no relato bíblico para uma distinção de essência. O fato de ser exposta a julgamento da comunidade (1Co. 14:29) não enfraquece sua autoridade, pois o mesmo deveria acontecer no AT (cf. Dt. 13 e 18). Nenhum profeta (em ambos os testamentos) deveria ter sua mensagem recebida automaticamente como Palavra de Deus. A mensagem deveria ser avaliada com cuidado.
Com as considerações feitas sobre profecia, vamos para 1 Coríntios 11. Lá temos a descrição do exercício profético feminino na adoração em comunidade. Se existe algo claro nessa passagem é a distinção entre os sexos. Aliás, as orientações de Paulo visam o exercício do dom profético por parte das mulheres sem que estas subvertam a liderança ou autoridade masculina na igreja. O costume de cobrir a cabeça com um véu deixava claro que a mulher estava debaixo da autoridade do homem. A falta de véu seria uma declaração clara de insubmissão. O fato é que as mulheres poderiam profetizar em público.
Somos, então, levados a entender que "ensino" é distinto de "profecia" e que o último poderia ser exercido (com o véu ou qualquer outro recurso cultural equivalente) sem subverter a autoridade masculina enquanto o primeiro não. Como vimos acima, a atividade de ensino em 1Tm. 2:12 é restrita aos mestres. Em outros contextos, quando também é tratado de forma restrita, "ensino" é distinto de outras atividades relacionadas como profetizar, pregar e evangelizar (cf. 1 Co. 12:28; Ef. 4:11). Assim, "em termos de uso paulino, 'profetizar' não é o equivalente de 'ensinar'" (MOO, 1981, p. 207 – tradução e itálico nosso).
Se não é uma questão de autoridade de conteúdo, onde está, portanto, a distinção? Penso que no exercício (prática) do dom profético. Enquanto o "ensino" nas pastorais está ligado ao grupo dos oficiais, ou seja, um grupo fixo e reconhecido como mantenedores da tradição revelada; a profecia envolve uma "revelação inesperada" (porém controlada, cf. 1Co. 14:30, 32), ou seja, não oficial. Além disso, sem negar a autoridade do conteúdo profético, a profecia possuía autoridade derivada visto que deveria ser julgada pela congregação – menos as mulheres (cf. nota 37). As palavras Moo nos auxiliam:
[…] profetizar, sendo mais diretamente "pneumático" do que o ensino, envolve um relacionamento de autoridade entre o profeta e seus ouvintes menos pessoal do que no caso dos mestres. Essa maior autoridade pessoal dos mestres é a razão […] de Paulo permitir as mulheres profetizarem com homens presentes, mas não ensiná-los (MOO, 1981, p. 207 – tradução e itálico nosso).
5. A RELAÇÃO ENSINO E O EXERCÍCIO DE AUTORIDADE
A questão aqui é: são duas atividades ou trata-se de um único conceito (hendíadis)? Duas considerações são de grande importância para nossa conclusão: 1) A conjunção coordenativa "nem" (ouvde,) e 2) A estrutura: verbo finito (ação limitada a um sujeito específico) negativo+ infinitivo+ ouvde, + infinitivo.
Quanto à estrutura, em 2 Timóteo 2:12 a ordem dos elementos sintáticos não é a mesma. O infinitivo precede o verbo finito. Segundo Schreiner (1995, p. 84, nota 8), tal mudança não tem significância semântica. A essência da estrutura sintática é termos um verbo finito negativo governando dois verbos infinitos ligados pela conjunção coordenativa ouvde,.
Tal estrutura tem um único paralelo em todo NT: At. 16:21. Por outro lado, Köstenberger (1995, pp. 92-9), usando Ibycus, encontrou quarenta e oito exemplos com a mesma estrutura sintática na literatura extra-bíblica. Para ele, essas ocorrências estabeleceram um padrão: a construção liga "dois infinitivos que denotam conceitos ou atividades que são vistas juntas positiva ou negativamente pelo autor" (KÖSTENBERGER 1995, pp. 99 – tradução e itálico nosso). Em outras palavras, se um dos infinitivos apresenta uma idéia positiva, o mesmo se dará com o que segue. Não cabe, portanto, tomar o "ensino" como algo positivo e a "autoridade" como negativo ou vice-versa. O mesmo padrão sintático é encontrado no NT com outras formas verbais (que não o infinitivo) ligadas por ouvde,)
Quanto à conjunção, ela aponta para atividades coordenadas. Qual, então, a relação entre elas? São sinônimas? Paralelas? Ou complementares? Por se tratar de idéias intimamente relacionadas (ensino e autoridade), onde a última atividade parece elaborar e estender a primeira, elas parecem ter uma relação de complementação e de explicação. Paulo está nos apresentando duas proibições distintas e complementares onde ambas são ou positivas ou negativas. Porém, "enquanto a segunda proibição explica e qualifica a primeira, é necessário manter que as duas proibições foram dadas de forma separadas" (MOO, 1980, p. 67 – tradução nossa).
Os advogados da idéia de um único conceito (hendíadis) adotam a seguinte tradução: "Não permito que a mulher ensine de forma autoritária". Tal tradução não respeita a estrutura sintática e a natureza coordenativa da conjunção, pois trata o segundo infinitivo negativamente enquanto "ensino" nunca é visto como algo negativo no NT e muito menos nas pastorais. Além disso, não mantém a distinção entre as atividades. Assim, o "exercício da autoridade" deve ser visto positivamente e não como algo autoritário, dominador ou tirano.
6. O SIGNIFICADO DE "EXERCER AUTORIDADE" auvqentei/n
Como quase tudo nessa passagem, o significado de auvqentei/n também tem sido fruto de muita controvérsia. Parte da razão está no fato de se tratar de uma hápax legomenon (palavra que aparece uma única vez no NT). Baldwin (KÖSTENBERGER, 1995, p. 66) entende que parte da celeuma em torno do vocábulo se dá, ou por falácias na metodologia, ou por escassez de material tecnológico na pesquisa.
Quanto à metodologia, o apelo às raízes etimológicas torna-se inviável. Primeiramente porque não é uma forma precisa de se conhecer o significado de uma palavra. É o uso dela e não sua etimologia que determina o significado. Além disso, pode haver uma ortografia comum (homografia) nascida de raízes com ortografia e significados diferentes. Segundo, não há consenso quanto às raízes de auvqentei/n.
Ainda pensando na metodologia, Baldwin (KÖSTENBERGER, 1995, p. 71) denuncia uma outra confusão: os estudiosos têm falhado em distinguir as formas verbais do substantivo. Existem inúmeros casos no grego onde a forma verbal não corresponde a todos os significados dos substantivos. Soma-se a isso o fato de não analisarem os dados por gênero e data.
Usando os CD-ROMs: Greek Documentary e Thesaurus Linguae Graecae, Baldwin atribuiu os possíveis significados para auvqentei/n:
1. Governar, reinar soberano; 2. Controlar, dominar: a. Compelir, influenciar alguém / algo; b. Voz média: ter autoridade legal (e.g., sobre um escravo); c. hiperbolicamente: dominar, agir como tirano; d. conceder autorização; 3. Agir independentemente: a. assumir autoridade sobre; b. exercer a jurisdição de outro; c. tratar com desdém a autoridade de; 4. Ser responsável primariamente responsável ou incitar algo; 5. assassinar (BALDWIN, in KÖSTENBERGER, 1995, p. 73 – tradução nossa).
Considerando a estrutura do texto (ligados por ouvde,) e o lugar de auvqentei/n na ordem do texto; esse deveria nos ajudar no entendimento de dida,skein. Porém, devido as dificuldades com auvqentei/n, o significado de dida,skein em 1Timóteo 2:12 é uma questão preliminar na determinação do significado de auvqentei/n. Como "ensinar" é algo positivo, podemos eliminar 2c, 3b, 3c, e 5 (além disso, este significado está muito distante cronologicamente [décimo século A.D.]). O contexto da carta não permite o significado 1, 2d, 4, pois simplesmente eles não fazem sentido no documento. Gramaticalmente o significado 3 e 3b não são apropriados por se tratarem de significados intransitivos quando em 2 Timóteo o verbo é transitivo. 2b está na voz média. Restaram apenas 2, 2a 3a. A tradução "exercer autoridade", portanto, reflete bem o original, pois o conceito de autoridade permeia todos os três possíveis significados.
7. RAZÕES ONTOLÓGICAS
Se o fundamento para a subordinação da mulher para com o homem em 1 Coríntios 11 foi a própria subordinação de Deus para com Ele mesmo em Sua pluralidade (v. 3), aqui, o embasamento também antecede e não pressupõe o pecado. As proibições do ensino e do exercício de autoridade, portanto, não são frutos da maldição do pecado, ou porque as mulheres de Éfeso estavam promovendo falsos ensinos, ou ainda porque essas mulheres não tinham capacidade de ensinar. Apelar para tais conjecturas é negligenciar a declaração clara, direta e didática de Paulo e ao mesmo tempo inserir elementos estranhos ao texto. A razão é simples: o homem foi criado primeiro e a mulher (não o homem) foi enganada.
A combinação das palavras "primeiro" (prw/toj) e "depois" (ei=ta) evidencia o destaque que Paulo dá ao elemento cronológico. Semelhantemente, em 1 Co. 11:8-9, Paulo argumenta que a subordinação da mulher está ancorada no fato dela ser derivada (evk) do homem e existir por causa (dia,) dele. Aqui a prioridade cronológica do homem é a "razão pressuposta". Novamente uma fundamentação desvinculada do contexto histórico da carta. Paulo vai além das fronteiras de Corinto e Éfeso para apresentar as razões de suas ordens. A causa está na ordem da criação. E, esta, por sua vez, revela o propósito criativo de Deus.
Há, entretanto, quem assegure que o "porque" (ga,r) no início do v.13 não introduz as razões da proibição do ensino, mas apenas as ilustrações de ensinos falsos devido a falta de educação. Porém, nos vinte e um mandamentos seguidos por ga,r nas pastorais, todos parecem requerer a idéia causal. Além disso, se Paulo só queria ilustrar um falso ensino por meio do ensino de Eva, porque fazer referência à primazia do homem na criação? "A ordem na criação não diz nada sobre a falta de educação da mulher" (SAUCY & ARNOLD em SAUCY & TENELSHOF, 2001, p. 124).
Se o problema era a falta de educação e/ou ensino falso, porque a proibição é restrita às mulheres (para com os homens)? Para haver uma proibição de falso ensino, primeiramente deve-se está seguro que se trata realmente de "falso" ensino – o que o texto não evidencia. Além disso, a proibição restrita às mulheres (para com homens) liberaria o hipotético ensino herético ser passado de mulher para mulher.
E quanto ao engano de Eva? O texto não fala nada sobre o ensino de Eva, nem que ela foi enganada por pouco conhecimento. Simplesmente que sua transgressão se deu por meio do engano. A ênfase no texto é dupla: primeiro, o engano presente em Eva e ausente em Adão (Ou seja, há um contraste claro entre os sexos); segundo, ênfase no engano como o meio que Eva transgrediu. Podemos transgredir de várias formas, mas o que Paulo quer dizer é que somente ela (a mulher) transgrediu por ter sido enganada (não o homem). A explicação está somente em Eva, não em Adão, nem na relação entre os dois.
Moo (PIPER, 1991, p. 185) entende que Eva inverteu os papéis estabelecidos na ordem da criação. Se Paulo realmente quis dizer isso, ao afirmar que Eva (e não Adão) foi enganada, ele foi, no mínimo, enigmático. O verso parece nos levar para onde muitos não querem ir: entender que o gênero feminino (diferente do masculino) parece ser mais suscetível ou inclinado ao engano. A negação dessa visão tem mais razões sociológicas, políticas ou até sentimentais do que exegéticas. Alguém pode até questionar dizendo: "Se é um problema do gênero feminino, porque limitar a proibição do ensino ao homem?", ou "Se este é realmente o caso, as mulheres não deveriam ensinar ninguém (e.g., crianças, outras mulheres)". O texto, contudo, não considera essa inclinação feminina perigosa para todo tipo de ensino, somente para um tipo específico – o ensino autoritativo descrito nas pastorais. Ou seja, a preservação da tradição apostólica.
Algumas considerações são importantes para se evitar implicações desleais. Primeiro, a ausência do engano no homem não o isenta do pecado. Adão também transgrediu (Rm. 5:14). Além disso, "desobedecer (Rm. 5:9) é menos desculpável do que ser enganado" (MOO, 1980, p. 68 – tradução nossa). Segundo, a diferença de natureza e propósito funcional da mulher não implica necessariamente em inferioridade. Terceiro, "as diferentes inclinações das mulheres (e dos homens) não implicam que elas são inferiores ou superiores aos homens. Simplesmente demonstram que homens e mulheres são diferentes." (SCHREINER em KÖSTENBERGER, 1995, p. 146 – tradução e itálico nosso). Diferentes virtudes e diferentes inclinações pecaminosas. Sendo que as últimas decorrem das primeiras.
CONCLUSÃO
O exercício do ensino oficial-autoritativo descrito nas pastorais é restrito ao gênero masculino. Tal restrição é fundamentada tanto na ordem da criação como na inclinação do gênero feminino ao engano. A aplicabilidade da ordem, portanto, não está fundamentada em um contexto histórico-cultural específico; antes, é atemporal. Daí a razão para que toda teologia do ministério feminino tenha tal restrição pressuposta.
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BIBLIOGRAFIA
FARNELL, F. David. Is the Gift of Prophecy for Today? Part 2: The Gift of Prophecy in the Old and New Testaments BSac 149, 1992 (October-December).
FEE, Gordon D. 1 & 2 Timóteo, Tito. Trad.: Luiz Aparecido Caruso, Deerfield: Editora Vida, 1994, 316p.
GRUDEM, Wayne. The Gift of Prophecy in the New Testament and Today. Wheaton: Crosswal Books, 2000, 399p.
KÖSTENBERGER, Andréas J., SCHREINER, Thomas R. BALDWIN, H. Scott. (eds.) Women in the Church – a fresh analisis of 1 Timothy 2:8-15. Grand Rapids: Baker Books, 1995, 334p.
MOO, Douglas J. I Timothy 2:11-15: Meaning And Significance.
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PIPER, John., GRUDEM, Wayne (eds.). Recovering Biblical Manhood And Womanhood - a response to evangelical feminism. Wheaton: Crossway Books, 1991, 482p.
POWELL, Charles. Paul's Concept of Teaching and 1 Timothy 2:12, 2004, em http://www.bible.org/page.php?page_id=2480.
SAUCY, Robert L., TENELSHOF, Judith K. (eds.). Women and Men in Ministry – a complementary perspective. Chicago: Moody Press, 2001, 399p.
WALLACE, Daniel B. Greek Grammar Beyond of the Basics. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1996, p. 698.
A primazia da exegese histórico-gramatical no processo da produção teológica é a razão de ser desse artigo. Para esse autor, teologia pressupõe exegese. Tal pressuposto metodológico torna a exegese de 1Timóteo 2:11-14 indispensável para qualquer formulação teológica do ministério feminino.
Quanto à escolha do texto, trata-se do escrito mais direto e amplo dentro da temática no NT. A limitação de espaço nessa obra explica a ausência da análise no verso 15, bem como adverte o leitor de que há muito a ser dito. Contudo, se queremos começar a entender a teologia do ministério feminino, esse deve ser o primeiro passo: a exegese de 1Tm. 2:11-14.
Neste artigo, sigo um caminho antigo: a exegese histórico-gramatical. Para ser mais exato, exegese puramente gramatical, pois não lido com dados históricos. Tal omissão, contudo, não é uma opção metodológica. Ela simplesmente revela as limitações de espaço, bem como reconhece que, neste caso específico, tal conhecimento não determina a aplicabilidade normativa da passagem para os nossos dias. Logo, sua ausência não desprestigia as conclusões que seguem.
2 "ESPOSO" & "ESPOSA" OU "HOMEM" & "MULHER"
Há elementos sintáticos e contextuais que nos impelem a pensar em "mulher" (gunh,) e "homem" (avndro,j) como uma referência genérica e não uma menção ao grupo específico das "esposas" ou "maridos" (cf. ARC [1969], ACF [1995], ECA). Caso trate-se de uma referência específica, teremos uma proibição do ensino e do exercício da autoridade confinada ao contexto do lar e/ou das relações conjugais.
Em primeiro lugar, os substantivos em questão são genéricos por natureza. No entanto, a presença do artigo junto a "mulheres" no v.9 em contraposição a "homens" no verso anterior; ou junto ao substantivo "homem" no verso 12, afetaria o sentido visto que poderia ter a força de um pronome possessivo (cf. WALLACE, 1996, p. 183). Assim, "se Paulo queria confinar sua proibição no verso 12 às 'esposas' no relacionamento para seus maridos, era esperado o uso do artigo definido ou um pronome possessivo com homem" (MOO, in PIPER, 1991, p. 183 – tradução e itálico nosso). Teríamos a seguinte tradução: "Eu não permito uma mulher ensine ou exerça autoridade sobre seu homem (marido)".
Em segundo lugar, há um intercâmbio envolvendo plural e singular com substantivos genéricos em boa parte do documento (cf. de 2:8 à 3:16). Essa alternância do plural anartro (sem artigo) dos vv. 9-10 e do singular anartro dos versos 11-12 reforça a idéia genérica. Em 2:15 encontramos a mesma alternância de número, agora com os verbos gregos "preservada" (swqh,setai[3ª pessoal do singular]) e "permanecer" (mei,nwsin [3ª pessoa do plural]).
Em terceiro lugar, o contexto também reforça o conceito genérico de mulher. As exigências das boas obras e do cuidado no vestir são exortações gerais e todos concordariam que não devem ser aplicadas somente às esposas. O advérbio "igualmente" ou "semelhantemente" (w`sau,twj) liga as exortações direcionadas aos homens às mulheres. Se as ordens aos homens visam somente os maridos, o mesmo seria para as mulheres-esposas. Porém, não há nada no contexto que restrinja esses homens a categoria específica de "esposos", pois, assim como as exigências feitas às mulheres, as exigências de levantar as mãos e orar sem ira e animosidade são gerais e não se aplicam somente aos maridos ou ao contexto do lar. Todo o texto, portanto, nos direciona ao comportamento exemplar de toda família cristã na reunião de adoração.
2. O SILÊNCIO
A expressão "em silêncio" (evn h`suci,a|) aparece tanto no começo como no final dessa seção (inclusio). Diante disso, vários estudiosos têm sugerido uma estrutura quiástica. Charles Powell sugere a seguinte:
A Gunh. evn h`suci,a| A mulher em silêncio
B manqane,tw Aprenda
C evn pa,sh| u`potagh/|\ Em toda submissão
B' dida,skein de. gunaiki. ouvk evpitre,pw avll Ensinar a mulher eu não permito
C' ouvde. auvqentei/n avndro,j( Nem exercer autoridade de homem
A' ei=nai evn h`suci,a|Å Mas esteja em silêncio (POWELL, 2004)
E Douglas Moo:
A Gunh. evn h`suci,a| A mulher em silêncio
B manqane,tw Aprenda
C evn pa,sh| u`potagh/|\ Em toda submissão
B' dida,skein de. gunaiki. ouvk evpitre,pw avllV ouvde. auvqentei/n avndro,j(
Ensinar não permito nem exerça autoridade de homem
A' ei=nai evn h`suci,a|Å Mas esteja em silêncio (MOO, 1980, 64).
Em todas as propostas quiásticas há consenso em pelo menos dois elementos: 1) A posição de evn h`suci,a|Å (em silêncio) tanto ligando-se a "aprender" como a "não ensinar" e 2) O contraste entre "não ensinar" e "aprender". Veremos que essas relações nos ajudam a entender melhor a natureza silêncio em questão.
Muitos estudiosos fundamentando-se na escolha de h`suci,a (e não sigh,) e no seu uso em outras passagens (e.g., 1Pe. 3:4, esp. 1Tm. 2:2) entendem que o melhor significado seria "quietude" e não "silêncio". Porém, o texto nos informa que "silêncio" é tanto uma forma de "aprender" como também de "não ensinar". Assim, "o antônimo mais natural para ensino neste contexto é 'silêncio'" (SCHREINER, in KÖSTENBERGER, 1995, p. 123 – tradução e itálico nosso) e não somente "quietude".
Trata-se de um equívoco afirmar que o significado comum de h`suci,a é "quietude" e siga,w é "silêncio". "h`suci,a é a única palavra no seu vocabulário [de Paulo] conhecido que pode claramente denotar silêncio" (MOO, 1981, p. 198 – tradução e itálico nosso). Soma-se a isso, a estrutura quiástica na nota 1 onde "não ensinar" contrasta com "permanecer em silêncio".
3. A ORDEM "NÃO PERMITO".
Sobre a ordem de Paulo, Gordon Fee entende que a melhor tradução seria "não estou permitindo", ou, mais diretamente, "hoje eu não estou permitindo". Ele explica:
Paulo enfoca particularmente a situação de Éfeso. Linguagem como esta, bem como o 'quero' no v.8, carece de qualquer senso de imperativo universal para todas as situações. Isto não quer dizer que ele não considere sua palavra como investida de autoridade, mas que não foi dada a ela o ímpeto de um imperativo universal. (FEE, 1994, p. 87 – itálico nosso).
Assim, para Fee não há ordem. Ou, se há, trata-se de algo circunstancial. A colocação ou a ordem de Paulo tem, portanto, aplicabilidade temporária e específica aos efésios (ad hoc). Os argumentos usados para sustentar a temporalidade da colocação ou ordem fundamentam-se no tempo e modo do verbo (presente do indicativo) bem como no assumido como intrínseco significado temporal de "permito" (evpitre,pw).
Quanto ao tempo e modo do verbo, é fato que Paulo usa o presente do indicativo na primeira pessoa do singular para ordens universais (Rm. 12:1). Além disso, "o tempo presente é usado com um objeto genérico (gunaiki,), sugerindo que deve ser tomado como um presente gnômico" (WALLACE, 1996, p. 525). Muitas outras ordens de natureza universal se encontram na mesma situação – primeira do singular, do indicativo presente (cf. Rom 12:1, 3; 1 Cor 4:16; 2 Cor 5:20; Gal 5:2, 3; Eph 4:1; 1 Thess 4:1; 5:14; 2 Thess 3:6; 1 Tim 2:1, 8).
Nenhum cristão questionaria a autoridade das palavras de Cristo por se encontrarem no presente do indicativo. Os ensinos do Senhor no sermão da montanha são precedidos pela fórmula "eu, porém, vos digo". E todas elas foram registradas com verbos no presente do indicativo (cf. Mt. 5:22, 28, 32, 34, 39, 44). A condição sintática, portanto, não determina sua autoridade. Antes, quem e o que se diz.
Mas, e o que dizer da natureza semântica de "permitir" (evpitre,pw)? Os advogados da perspectiva igualitária entendem que a palavra "em si" não tem "peso" de ordem universal. A argumentação, entretanto, enfoca somente no vocábulo. Porém, evpitre,pw pode ter várias possibilidades de significado dependendo do contexto. "Se o que é permitido ou proibido é universal, isso não pode ser determinado pelo tempo do verbo nem seu intrínseco significado. É o contexto em que o verbo surgiu que é decisivo" (SCHREINER, in KÖSTENBERGER 1995, p. 126 – tradução e itálico nosso). Sabemos, por exemplo, que a permissão para os espíritos imundos saírem rumo aos porcos em Mc. 5:13 foi restrita àquele momento. Mas a natureza ad hoc dessa permissão não foi determinada pelo verbo "em si" ou pelo tempo dele, mas pelo que foi permitido.
Conclui-se que o tempo, o modo e o suposto significado "intrínseco" do verbo em questão (evpitre,pw) não são determinantes quanto a universalidade ou não da ordem. Por outro lado, as razões que seguem a ordem nos versos 13 e 14 são grandes indicadores de universalidade e revelam mais da natureza atemporal da ordem do que sua descrição sintática. Nesse caso, a sintaxe nos conta uma parte da história, mas só temos o final com o contexto.
4. ENTENDENDO dida,skw (ensino).
Quando o assunto é ensino ou transmissão da verdade de Deus, dida,skw não é único vocábulo usado pelos escritores neotestamentários. O NT usa outros termos equivalentes como kathce,w "ensinar", "instruir", "comunicar" (Lc. 1:4; At. 18:25; 21:21, 24; 1Co. 14:19. Gl. 6:6); evkti,qemi "expor", "explicar", "apresentar", usada para descrever o ministério de Priscila e Aquila para com Apolo; dianoi,gw "abrir", "explicar", "interpretar" (Lc. 24:32; At. 17:3). Juntos com dida,skw, esses vocábulos, e muitos outros, revelam as inúmeras nuanças ligadas à atividade de comunicar a verdade de Deus tanto na igreja como no mundo.
Pensando especificamente em dida,skw (e seus cognatos)( assim como no nosso português, o campo semântico do vocábulo grego é extenso. A prática do "ensino" incluía uma grande variedade de formas, objetivos, graus de autoridade e conteúdo. dida,skw é aplicado à instrução (Mt. 28:15); ao ensino formal (Rm. 12:7; 1Tm. 5:17); ao informal (Mt. 28:20; Cl. 3:16) e até impessoal (1Co. 11:14). "Ensinar" não era, nem deveria ser, uma prática exclusiva dos chamados "mestres" (dida,skaloj), pois é uma exigência a todos os discípulos de Cristo no processo do discipulado (Mt. 28:20).
A tensão entre a proibição às mulheres de ensinar e a ordem a todos os cristãos à prática do ensino nos conduz a pensar em uma forma mais específica de ensino na proibição paulina. Seguramente Paulo não pode está proibindo todo tipo ou toda forma de ensino. Em Tito ele conclama as mulheres mais velhas a ensinarem as mais novas (2:4). Essa tensão entre o geral (todos devem ensinar) e o específico (só alguns podem ensinar) na natureza do ensino não é exclusividade das pastorais. Em 1Co. 12:28 Paulo nos apresenta o grupo específico dos "mestres" (dida,skaloj). Assim, a despeito de que cada cristão deve ensinar (Mt. 28:20), nem todos são ou devem ser "mestres".
Nossa batalha exegética, portanto, é saber que tipo ou forma de ensino Paulo tinha em mente. Muitos estudiosos têm recorrido ao uso específico de dida,skw nas Pastorais. Para eles, diferente do uso amplo de dida,skw em todo o NT, nesses documentos o vocábulo e seus cognatos fazem referência a um ensino específico – o ensino doutrinário autoritativo.
A sintaxe nos ajuda muito nesse ponto. A relação de "ensinar" (dida,skein) com "autoridade" (auvqentei/n) e o genitivo "de homem" (avndro,j) nos ajudam a entender melhor a natureza da proibição. "de homem" (avndro,j) é objeto tanto de "ensine" quanto de "ter autoridade", pois, segundo Moo (1981, p. 202), objetos ou qualificadores que são dispostos em uma série e só aparecem no segundo, fazem referência ao primeiro também. O que Paulo proíbe, portanto, é o "ensino" ou a "autoridade" de homem. Assim, a ordem de Paulo pressupõe uma distinção entre os sexos. Essa distinção no gênero, por sua vez, é suficiente para se reconhecer mudanças no exercício do ensino. Nas palavras de Saucy:
Se é limitado ao oficial ou não, o que é claramente debatido na proibição é o relacionamento do homem e da mulher. Em nossa opinião, qualquer que seja a aplicação específica de "ensino", ele é o tipo de ensino que dá a mulher uma posição de autoridade sobre o homem […] Paulo em 1Tm. 2:12, não proíbe uma mulher de todo ensino. Paulo proíbe somente a liderança da mulher na comunidade cristã. (SAUCY, in: Women and Men in Ministry, 2001, p. 307 – tradução nossa).
Uma das acusações feitas à interpretação apresentada acima é a de que a profecia é tão autoritativa quanto o ensino, se não mais. Se a mulher não poderia ensinar ou exercer autoridade sobre o homem, como explicar a possibilidade dela profetizar em público? Como ajustar a liberalidade na prática profética (1Co. 11:5; At. 2:17-18; 21:9) e a proibição do ensino?
Uma das soluções tem sido diminuir o peso autoritativo, ou da palavra profética (especificamente no NT), ou da audiência, afirmando tratar-se de cultos realizados nos lares. Não refutaremos esse último argumento por entendermos que não havia uma distinção clara no primeiro século entre público e privado, pois os cultos eram realizados nas casas. Aliás, preocupação de Paulo não é tanto o lugar (cf. v.8 "em todo lugar"), mas o tipo de ensino.
Reconhecemos que há inúmeras diferenças entre os profetas dos dois testamentos. No AT, por exemplo, os profetas faziam parte de um grupo pequeno – seleto. O que não acontece no NT. Contudo, todas as diferenças não afetam diretamente a autoridade da palavra profética neotestamentária. Antes, temos razões para crer que há uma "linha de continuidade" no ato profético em ambos os Testamentos.
Primeiro, o reavivamento da profecia realizado no período do NT foi profetizado em Joel 2:28-32 nos termos da profecia do AT. Isso deveria nos levar a julgar que há continuidade entre os dois períodos e não distinção. "É altamente significante o fato de Pedro ter ligado o início da profecia do Novo Testamento com o fenômeno profético do Antigo Testamento" (FARNELL, 1992, p. 393). O texto não apresenta nada que nos leve a pensar que os profetas prometidos são diferentes qualitativamente do próprio profeta que registra a promessa. Se há uma diferença nesse contexto entre o ato profético do NT e do AT, e há, é o fato de que a capacitação profética no novo período seria dada em grande medida, pois foi aberta a todas as classes da humanidade (At. 2:17). Sua natureza, contudo, não foi afetada.
Segundo, a similaridade do vocabulário e da fraseologia em ambos os testamentos. Os autores do NT não fazem qualquer esforço no campo lexical para expressar uma distinção entre as profecias dos testamentos. O vocábulo profh,thj e seus cognatos são usados tanto para se referir aos profetas e profecias do AT como do NT.
Terceiro, os profetas do NT permaneciam com mesmo prestígio e importância vital. Ef. 2:20 nos informa que os profetas fazem parte da base da igreja. Não podemos pensar que a igreja foi fundamentada em base não autoritativa. A fim de negar a importância dos profetas do NT, Grudem (2000, pp. 45-63) faz uma distinção entre os profetas de 1 Coríntios e os de Efésios. Os últimos, vitais para a igreja, são os mesmos apóstolos. Outros estudiosos, visando à depreciação da autoridade dos profetas do NT, afirmam tratar-se de profetas do AT. Entretanto, tal diferença não tem base contextual, fraseológica, lexical e muito menos gramatical. Em Efésios 3:5 somos informados de que os apóstolos e profetas revelaram o que não foi dado a conhecer aos antigos profetas. Somente "agora" (nu/n), na era da igreja, é que o "mistério" foi revelado. Logo, os profetas não podem ser do AT.
Seriam, então, os apóstolos? Para Grudem (2000, pp. 45-63) a tradução seria: "os apóstolos, que são também profetas". Aqui sua tentativa é depreciar a importância da classe profética do NT usando a gramática grega. Contudo, seu julgamento repousa em fundamento frágil, pois usa a regra de Granville Sharp para defender sua teoria. Wallace nos apresenta o princípio básico da regra:
Quando dois substantivos são conectados por kai, e o artigo antecede somente o primeiro substantivo, existe uma íntima conexão entre os dois. Essa conexão sempre indica algum tipo de unidade. Em um nível mais alto pode conotar igualdade. No nível mais alto pode indicar identidade. (WALLACE, 1996, p. 270 – tradução nossa).
Wallace (1996, p. 272) ainda nos lembra que para o segundo substantivo refira-se a mesma pessoa mencionada no primeiro é necessário que os substantivos não sejam impessoais, nem estejam no plural, nem sejam nomes próprios. A segunda exigência não é atendida no presente texto. Assim, a regra levantada por Grudem para fundamentar a unidade de apóstolos e profetas é gramaticalmente insustentável.
A profecia, pois, sempre foi a mesma: autoritativa. Possui peso de Palavra de Deus. Ser profeta é trazer a mensagem de Deus. Não há razões fundamentadas no relato bíblico para uma distinção de essência. O fato de ser exposta a julgamento da comunidade (1Co. 14:29) não enfraquece sua autoridade, pois o mesmo deveria acontecer no AT (cf. Dt. 13 e 18). Nenhum profeta (em ambos os testamentos) deveria ter sua mensagem recebida automaticamente como Palavra de Deus. A mensagem deveria ser avaliada com cuidado.
Com as considerações feitas sobre profecia, vamos para 1 Coríntios 11. Lá temos a descrição do exercício profético feminino na adoração em comunidade. Se existe algo claro nessa passagem é a distinção entre os sexos. Aliás, as orientações de Paulo visam o exercício do dom profético por parte das mulheres sem que estas subvertam a liderança ou autoridade masculina na igreja. O costume de cobrir a cabeça com um véu deixava claro que a mulher estava debaixo da autoridade do homem. A falta de véu seria uma declaração clara de insubmissão. O fato é que as mulheres poderiam profetizar em público.
Somos, então, levados a entender que "ensino" é distinto de "profecia" e que o último poderia ser exercido (com o véu ou qualquer outro recurso cultural equivalente) sem subverter a autoridade masculina enquanto o primeiro não. Como vimos acima, a atividade de ensino em 1Tm. 2:12 é restrita aos mestres. Em outros contextos, quando também é tratado de forma restrita, "ensino" é distinto de outras atividades relacionadas como profetizar, pregar e evangelizar (cf. 1 Co. 12:28; Ef. 4:11). Assim, "em termos de uso paulino, 'profetizar' não é o equivalente de 'ensinar'" (MOO, 1981, p. 207 – tradução e itálico nosso).
Se não é uma questão de autoridade de conteúdo, onde está, portanto, a distinção? Penso que no exercício (prática) do dom profético. Enquanto o "ensino" nas pastorais está ligado ao grupo dos oficiais, ou seja, um grupo fixo e reconhecido como mantenedores da tradição revelada; a profecia envolve uma "revelação inesperada" (porém controlada, cf. 1Co. 14:30, 32), ou seja, não oficial. Além disso, sem negar a autoridade do conteúdo profético, a profecia possuía autoridade derivada visto que deveria ser julgada pela congregação – menos as mulheres (cf. nota 37). As palavras Moo nos auxiliam:
[…] profetizar, sendo mais diretamente "pneumático" do que o ensino, envolve um relacionamento de autoridade entre o profeta e seus ouvintes menos pessoal do que no caso dos mestres. Essa maior autoridade pessoal dos mestres é a razão […] de Paulo permitir as mulheres profetizarem com homens presentes, mas não ensiná-los (MOO, 1981, p. 207 – tradução e itálico nosso).
5. A RELAÇÃO ENSINO E O EXERCÍCIO DE AUTORIDADE
A questão aqui é: são duas atividades ou trata-se de um único conceito (hendíadis)? Duas considerações são de grande importância para nossa conclusão: 1) A conjunção coordenativa "nem" (ouvde,) e 2) A estrutura: verbo finito (ação limitada a um sujeito específico) negativo+ infinitivo+ ouvde, + infinitivo.
Quanto à estrutura, em 2 Timóteo 2:12 a ordem dos elementos sintáticos não é a mesma. O infinitivo precede o verbo finito. Segundo Schreiner (1995, p. 84, nota 8), tal mudança não tem significância semântica. A essência da estrutura sintática é termos um verbo finito negativo governando dois verbos infinitos ligados pela conjunção coordenativa ouvde,.
Tal estrutura tem um único paralelo em todo NT: At. 16:21. Por outro lado, Köstenberger (1995, pp. 92-9), usando Ibycus, encontrou quarenta e oito exemplos com a mesma estrutura sintática na literatura extra-bíblica. Para ele, essas ocorrências estabeleceram um padrão: a construção liga "dois infinitivos que denotam conceitos ou atividades que são vistas juntas positiva ou negativamente pelo autor" (KÖSTENBERGER 1995, pp. 99 – tradução e itálico nosso). Em outras palavras, se um dos infinitivos apresenta uma idéia positiva, o mesmo se dará com o que segue. Não cabe, portanto, tomar o "ensino" como algo positivo e a "autoridade" como negativo ou vice-versa. O mesmo padrão sintático é encontrado no NT com outras formas verbais (que não o infinitivo) ligadas por ouvde,)
Quanto à conjunção, ela aponta para atividades coordenadas. Qual, então, a relação entre elas? São sinônimas? Paralelas? Ou complementares? Por se tratar de idéias intimamente relacionadas (ensino e autoridade), onde a última atividade parece elaborar e estender a primeira, elas parecem ter uma relação de complementação e de explicação. Paulo está nos apresentando duas proibições distintas e complementares onde ambas são ou positivas ou negativas. Porém, "enquanto a segunda proibição explica e qualifica a primeira, é necessário manter que as duas proibições foram dadas de forma separadas" (MOO, 1980, p. 67 – tradução nossa).
Os advogados da idéia de um único conceito (hendíadis) adotam a seguinte tradução: "Não permito que a mulher ensine de forma autoritária". Tal tradução não respeita a estrutura sintática e a natureza coordenativa da conjunção, pois trata o segundo infinitivo negativamente enquanto "ensino" nunca é visto como algo negativo no NT e muito menos nas pastorais. Além disso, não mantém a distinção entre as atividades. Assim, o "exercício da autoridade" deve ser visto positivamente e não como algo autoritário, dominador ou tirano.
6. O SIGNIFICADO DE "EXERCER AUTORIDADE" auvqentei/n
Como quase tudo nessa passagem, o significado de auvqentei/n também tem sido fruto de muita controvérsia. Parte da razão está no fato de se tratar de uma hápax legomenon (palavra que aparece uma única vez no NT). Baldwin (KÖSTENBERGER, 1995, p. 66) entende que parte da celeuma em torno do vocábulo se dá, ou por falácias na metodologia, ou por escassez de material tecnológico na pesquisa.
Quanto à metodologia, o apelo às raízes etimológicas torna-se inviável. Primeiramente porque não é uma forma precisa de se conhecer o significado de uma palavra. É o uso dela e não sua etimologia que determina o significado. Além disso, pode haver uma ortografia comum (homografia) nascida de raízes com ortografia e significados diferentes. Segundo, não há consenso quanto às raízes de auvqentei/n.
Ainda pensando na metodologia, Baldwin (KÖSTENBERGER, 1995, p. 71) denuncia uma outra confusão: os estudiosos têm falhado em distinguir as formas verbais do substantivo. Existem inúmeros casos no grego onde a forma verbal não corresponde a todos os significados dos substantivos. Soma-se a isso o fato de não analisarem os dados por gênero e data.
Usando os CD-ROMs: Greek Documentary e Thesaurus Linguae Graecae, Baldwin atribuiu os possíveis significados para auvqentei/n:
1. Governar, reinar soberano; 2. Controlar, dominar: a. Compelir, influenciar alguém / algo; b. Voz média: ter autoridade legal (e.g., sobre um escravo); c. hiperbolicamente: dominar, agir como tirano; d. conceder autorização; 3. Agir independentemente: a. assumir autoridade sobre; b. exercer a jurisdição de outro; c. tratar com desdém a autoridade de; 4. Ser responsável primariamente responsável ou incitar algo; 5. assassinar (BALDWIN, in KÖSTENBERGER, 1995, p. 73 – tradução nossa).
Considerando a estrutura do texto (ligados por ouvde,) e o lugar de auvqentei/n na ordem do texto; esse deveria nos ajudar no entendimento de dida,skein. Porém, devido as dificuldades com auvqentei/n, o significado de dida,skein em 1Timóteo 2:12 é uma questão preliminar na determinação do significado de auvqentei/n. Como "ensinar" é algo positivo, podemos eliminar 2c, 3b, 3c, e 5 (além disso, este significado está muito distante cronologicamente [décimo século A.D.]). O contexto da carta não permite o significado 1, 2d, 4, pois simplesmente eles não fazem sentido no documento. Gramaticalmente o significado 3 e 3b não são apropriados por se tratarem de significados intransitivos quando em 2 Timóteo o verbo é transitivo. 2b está na voz média. Restaram apenas 2, 2a 3a. A tradução "exercer autoridade", portanto, reflete bem o original, pois o conceito de autoridade permeia todos os três possíveis significados.
7. RAZÕES ONTOLÓGICAS
Se o fundamento para a subordinação da mulher para com o homem em 1 Coríntios 11 foi a própria subordinação de Deus para com Ele mesmo em Sua pluralidade (v. 3), aqui, o embasamento também antecede e não pressupõe o pecado. As proibições do ensino e do exercício de autoridade, portanto, não são frutos da maldição do pecado, ou porque as mulheres de Éfeso estavam promovendo falsos ensinos, ou ainda porque essas mulheres não tinham capacidade de ensinar. Apelar para tais conjecturas é negligenciar a declaração clara, direta e didática de Paulo e ao mesmo tempo inserir elementos estranhos ao texto. A razão é simples: o homem foi criado primeiro e a mulher (não o homem) foi enganada.
A combinação das palavras "primeiro" (prw/toj) e "depois" (ei=ta) evidencia o destaque que Paulo dá ao elemento cronológico. Semelhantemente, em 1 Co. 11:8-9, Paulo argumenta que a subordinação da mulher está ancorada no fato dela ser derivada (evk) do homem e existir por causa (dia,) dele. Aqui a prioridade cronológica do homem é a "razão pressuposta". Novamente uma fundamentação desvinculada do contexto histórico da carta. Paulo vai além das fronteiras de Corinto e Éfeso para apresentar as razões de suas ordens. A causa está na ordem da criação. E, esta, por sua vez, revela o propósito criativo de Deus.
Há, entretanto, quem assegure que o "porque" (ga,r) no início do v.13 não introduz as razões da proibição do ensino, mas apenas as ilustrações de ensinos falsos devido a falta de educação. Porém, nos vinte e um mandamentos seguidos por ga,r nas pastorais, todos parecem requerer a idéia causal. Além disso, se Paulo só queria ilustrar um falso ensino por meio do ensino de Eva, porque fazer referência à primazia do homem na criação? "A ordem na criação não diz nada sobre a falta de educação da mulher" (SAUCY & ARNOLD em SAUCY & TENELSHOF, 2001, p. 124).
Se o problema era a falta de educação e/ou ensino falso, porque a proibição é restrita às mulheres (para com os homens)? Para haver uma proibição de falso ensino, primeiramente deve-se está seguro que se trata realmente de "falso" ensino – o que o texto não evidencia. Além disso, a proibição restrita às mulheres (para com homens) liberaria o hipotético ensino herético ser passado de mulher para mulher.
E quanto ao engano de Eva? O texto não fala nada sobre o ensino de Eva, nem que ela foi enganada por pouco conhecimento. Simplesmente que sua transgressão se deu por meio do engano. A ênfase no texto é dupla: primeiro, o engano presente em Eva e ausente em Adão (Ou seja, há um contraste claro entre os sexos); segundo, ênfase no engano como o meio que Eva transgrediu. Podemos transgredir de várias formas, mas o que Paulo quer dizer é que somente ela (a mulher) transgrediu por ter sido enganada (não o homem). A explicação está somente em Eva, não em Adão, nem na relação entre os dois.
Moo (PIPER, 1991, p. 185) entende que Eva inverteu os papéis estabelecidos na ordem da criação. Se Paulo realmente quis dizer isso, ao afirmar que Eva (e não Adão) foi enganada, ele foi, no mínimo, enigmático. O verso parece nos levar para onde muitos não querem ir: entender que o gênero feminino (diferente do masculino) parece ser mais suscetível ou inclinado ao engano. A negação dessa visão tem mais razões sociológicas, políticas ou até sentimentais do que exegéticas. Alguém pode até questionar dizendo: "Se é um problema do gênero feminino, porque limitar a proibição do ensino ao homem?", ou "Se este é realmente o caso, as mulheres não deveriam ensinar ninguém (e.g., crianças, outras mulheres)". O texto, contudo, não considera essa inclinação feminina perigosa para todo tipo de ensino, somente para um tipo específico – o ensino autoritativo descrito nas pastorais. Ou seja, a preservação da tradição apostólica.
Algumas considerações são importantes para se evitar implicações desleais. Primeiro, a ausência do engano no homem não o isenta do pecado. Adão também transgrediu (Rm. 5:14). Além disso, "desobedecer (Rm. 5:9) é menos desculpável do que ser enganado" (MOO, 1980, p. 68 – tradução nossa). Segundo, a diferença de natureza e propósito funcional da mulher não implica necessariamente em inferioridade. Terceiro, "as diferentes inclinações das mulheres (e dos homens) não implicam que elas são inferiores ou superiores aos homens. Simplesmente demonstram que homens e mulheres são diferentes." (SCHREINER em KÖSTENBERGER, 1995, p. 146 – tradução e itálico nosso). Diferentes virtudes e diferentes inclinações pecaminosas. Sendo que as últimas decorrem das primeiras.
CONCLUSÃO
O exercício do ensino oficial-autoritativo descrito nas pastorais é restrito ao gênero masculino. Tal restrição é fundamentada tanto na ordem da criação como na inclinação do gênero feminino ao engano. A aplicabilidade da ordem, portanto, não está fundamentada em um contexto histórico-cultural específico; antes, é atemporal. Daí a razão para que toda teologia do ministério feminino tenha tal restrição pressuposta.
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BIBLIOGRAFIA
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Postado em 30/11/2011 |
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