II. DE NOVO, A NEO-ORTODOXIA
Há uma regra em metodologia da pesquisa que diz que “as conclusões não devem exceder as fontes.” Vincular o surgimento do pentecostalismo ao movimento puritano (ou a qualquer sistema teológico subjetivista) é ser vítima desse mal. As conclusões, então, não são deduzidas das fontes, mas lhes são impostas. Basta observar que nos países em que a fé reformada foi a religião oficial, o pentecostalismo não tem uma posição de destaque. Isto acontece na Escócia, no País de Gales e na Holanda, por exemplo.24 As raízes do movimento pentecostal se encontram, na verdade, no metodismo arminiano e em diversos movimentos de santidade surgidos nos Estados Unidos no século XIX. 25
É inegável que Karl Barth (1886-1968) foi grandemente responsável pelo renovado interesse nos reformadores, principalmente Lutero e Calvino, mas ele, assim como Emil Brunner (1889-1966), incorreram em outro erro, o de reinterpretarem os ensinos dos reformadores segundo seus próprios pressupostos, fazendo os reformadores dizerem mais do que eles ensinaram, distorcendo o seu pensamento, além de colocá-los em oposição aos seus herdeiros, os puritanos.26 Isto fica bem claro ao se estudar o texto de Barth, “A eleição de Deus em graça.”27 Mesmo usando os reformadores e confissões de fé da Reforma, as conclusões a que ele chegou são opostas à posição reformada como exposta nos Cânones do Sínodo de Dort, de 1618-19.28 Além deles, Jack Rogers (professor do Fuller Theological Seminary, nos Estados Unidos), no campo das Escrituras,29 e Thomas F. Torrance (professor de Dogmática na Universidade de Edimburgo até 1952), no campo da salvação,30 tentaram colocar a Confissão de Westminster contra Calvino. Entretanto, o testemunho de John Owen (1616-1683), o maior teólogo inglês, que representa a principal corrente puritana, opõe-se a essa reinterpretação. É digno de nota o que Packer diz dele:
Acerca de seu conteúdo, basta dizer que, quanto a seu método e substância, Owen nos faz lembrar freqüentemente Calvino, e também, por muitas vezes, as Confissões de Westminster e de Savóia (esta última, de fato, é apenas uma leve revisão da de Westminster, principalmente pelo próprio Owen), e por vezes seguidas as três coisas se confundem.31
Então, em vários pontos, aqueles que acriticamente aceitam essa posição têm cometido erros. Por exemplo, ao afirmar-se que os puritanos ressuscitaram o temor do diabo,32 firmando neles a gênese da cosmologia pentecostal, estão sendo ignorados dois pontos básicos: a fonte do mal, para os puritanos, era a tríade maligna (uma expressão de Lutero) — o mundo, a carne e o diabo (a caricatura maligna do Deus Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo) —, e nessa arena eles travaram a sua guerra espiritual. Antes disto, os reformadores também lidaram com estes inimigos. Basta ler sobre as Anfechtungen de Lutero33 e a exposição de Calvino sobre Satanás em sua relação com a Providentia Dei.34 Em todos eles, veremos a exposição do que Gustaf Aulén (1879-1978) chamaria mais tarde de Christus Victor.
Uma outra acusação feita aos puritanos é que distorceram o ensinamento de Calvino quanto à certeza de salvação.35 Mas é preciso notar que, sobre como ter certeza da salvação, os puritanos lidaram com mais um ponto doutrinário que entrava em cena, a expiação limitada ou particular. Ao entender que o Evangelho não nos chama ao arrependimento e à fé baseados no alcance da expiação,36 os puritanos buscaram outro meio de ter a certeza da salvação. Então, eles demonstraram biblicamente que há uma distinção entre a “Fé Salvadora” e a “Certeza da Graça e da Salvação.” Isto está afirmado na Confissão de Westminster,37 em consonância com o que Paulo e Pedro afirmam, por exemplo, em Filipenses 2.12-13 e 2 Pedro 1.10. O Breve Catecismo afirma que a “justificação é um ato da livre graça de Deus, no qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos diante de si, somente por causa da justiça de Cristo a nós imputada, e recebida pela fé,” e santificação é a “obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão.”38
Os puritanos, então, não fizeram uma confusão entre justificação e santificação como alguns podem querer impor a eles e como ficou acima demonstrado. Essa falsa compreensão poderia ser sanada com uma consulta à referida Confissão e aos escritos dos mesmos. Os ministros puritanos também fizeram uma clara distinção entre os diversos usos da Lei Moral (usus legis civilis, usus theologicus legis e usus didathicus legis), em suas controvérsias com os diversos grupos antinomistas de sua época.39 Mas toda confusa tentativa de vincular os puritanos com o pentecostalismo cai por terra ao estudarmos a relação entre a Palavra e o Espírito na teologia puritana.40 Eles trabalhavam com o seguinte silogismo: “Se há novas revelações, as Escrituras não são suficientes. Se as Escrituras são perfeitas, então não existe necessidade de novas revelações.” Eles se opuseram conscientemente aos católicos, com seu apego às tradições; aos socinianos, com sua racionalização barata; e aos quakers, com seu ensino sobre a “luz interior,” estes sim, precursores dos pentecostais e carismáticos. Os puritanos sabiam que só o Espírito Santo, ligado à Palavra, poderia salvar pecadores, e por isto foram pregadores expositivos, doutrinários e práticos, lidando com aquilo que eles chamavam de “casos de consciência.” Eles se opuseram àquilo que, em nosso tempo, foi chamado por Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) de “graça barata,” porque esta não é a graça verdadeira — os puritanos não diminuíram as exigências do evangelho ao pecador! Além do mais, eles se opuseram ao semi-pelagianismo, e para confirmar isto basta ler os seus sermões evangelísticos.41 Eles não apenas seguiram Calvino em suas ênfases teológicas, mas aprofundaram sua compreensão evangelística.42 O sistema teológico dos puritanos, longe de ser centrado no homem, é centrado em Deus, o Senhor Deus dos Exércitos, que tem o seu trono no céu! Eles nos lembram que “o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre!”
Há uma regra em metodologia da pesquisa que diz que “as conclusões não devem exceder as fontes.” Vincular o surgimento do pentecostalismo ao movimento puritano (ou a qualquer sistema teológico subjetivista) é ser vítima desse mal. As conclusões, então, não são deduzidas das fontes, mas lhes são impostas. Basta observar que nos países em que a fé reformada foi a religião oficial, o pentecostalismo não tem uma posição de destaque. Isto acontece na Escócia, no País de Gales e na Holanda, por exemplo.24 As raízes do movimento pentecostal se encontram, na verdade, no metodismo arminiano e em diversos movimentos de santidade surgidos nos Estados Unidos no século XIX. 25
É inegável que Karl Barth (1886-1968) foi grandemente responsável pelo renovado interesse nos reformadores, principalmente Lutero e Calvino, mas ele, assim como Emil Brunner (1889-1966), incorreram em outro erro, o de reinterpretarem os ensinos dos reformadores segundo seus próprios pressupostos, fazendo os reformadores dizerem mais do que eles ensinaram, distorcendo o seu pensamento, além de colocá-los em oposição aos seus herdeiros, os puritanos.26 Isto fica bem claro ao se estudar o texto de Barth, “A eleição de Deus em graça.”27 Mesmo usando os reformadores e confissões de fé da Reforma, as conclusões a que ele chegou são opostas à posição reformada como exposta nos Cânones do Sínodo de Dort, de 1618-19.28 Além deles, Jack Rogers (professor do Fuller Theological Seminary, nos Estados Unidos), no campo das Escrituras,29 e Thomas F. Torrance (professor de Dogmática na Universidade de Edimburgo até 1952), no campo da salvação,30 tentaram colocar a Confissão de Westminster contra Calvino. Entretanto, o testemunho de John Owen (1616-1683), o maior teólogo inglês, que representa a principal corrente puritana, opõe-se a essa reinterpretação. É digno de nota o que Packer diz dele:
Acerca de seu conteúdo, basta dizer que, quanto a seu método e substância, Owen nos faz lembrar freqüentemente Calvino, e também, por muitas vezes, as Confissões de Westminster e de Savóia (esta última, de fato, é apenas uma leve revisão da de Westminster, principalmente pelo próprio Owen), e por vezes seguidas as três coisas se confundem.31
Então, em vários pontos, aqueles que acriticamente aceitam essa posição têm cometido erros. Por exemplo, ao afirmar-se que os puritanos ressuscitaram o temor do diabo,32 firmando neles a gênese da cosmologia pentecostal, estão sendo ignorados dois pontos básicos: a fonte do mal, para os puritanos, era a tríade maligna (uma expressão de Lutero) — o mundo, a carne e o diabo (a caricatura maligna do Deus Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo) —, e nessa arena eles travaram a sua guerra espiritual. Antes disto, os reformadores também lidaram com estes inimigos. Basta ler sobre as Anfechtungen de Lutero33 e a exposição de Calvino sobre Satanás em sua relação com a Providentia Dei.34 Em todos eles, veremos a exposição do que Gustaf Aulén (1879-1978) chamaria mais tarde de Christus Victor.
Uma outra acusação feita aos puritanos é que distorceram o ensinamento de Calvino quanto à certeza de salvação.35 Mas é preciso notar que, sobre como ter certeza da salvação, os puritanos lidaram com mais um ponto doutrinário que entrava em cena, a expiação limitada ou particular. Ao entender que o Evangelho não nos chama ao arrependimento e à fé baseados no alcance da expiação,36 os puritanos buscaram outro meio de ter a certeza da salvação. Então, eles demonstraram biblicamente que há uma distinção entre a “Fé Salvadora” e a “Certeza da Graça e da Salvação.” Isto está afirmado na Confissão de Westminster,37 em consonância com o que Paulo e Pedro afirmam, por exemplo, em Filipenses 2.12-13 e 2 Pedro 1.10. O Breve Catecismo afirma que a “justificação é um ato da livre graça de Deus, no qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos diante de si, somente por causa da justiça de Cristo a nós imputada, e recebida pela fé,” e santificação é a “obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão.”38
Os puritanos, então, não fizeram uma confusão entre justificação e santificação como alguns podem querer impor a eles e como ficou acima demonstrado. Essa falsa compreensão poderia ser sanada com uma consulta à referida Confissão e aos escritos dos mesmos. Os ministros puritanos também fizeram uma clara distinção entre os diversos usos da Lei Moral (usus legis civilis, usus theologicus legis e usus didathicus legis), em suas controvérsias com os diversos grupos antinomistas de sua época.39 Mas toda confusa tentativa de vincular os puritanos com o pentecostalismo cai por terra ao estudarmos a relação entre a Palavra e o Espírito na teologia puritana.40 Eles trabalhavam com o seguinte silogismo: “Se há novas revelações, as Escrituras não são suficientes. Se as Escrituras são perfeitas, então não existe necessidade de novas revelações.” Eles se opuseram conscientemente aos católicos, com seu apego às tradições; aos socinianos, com sua racionalização barata; e aos quakers, com seu ensino sobre a “luz interior,” estes sim, precursores dos pentecostais e carismáticos. Os puritanos sabiam que só o Espírito Santo, ligado à Palavra, poderia salvar pecadores, e por isto foram pregadores expositivos, doutrinários e práticos, lidando com aquilo que eles chamavam de “casos de consciência.” Eles se opuseram àquilo que, em nosso tempo, foi chamado por Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) de “graça barata,” porque esta não é a graça verdadeira — os puritanos não diminuíram as exigências do evangelho ao pecador! Além do mais, eles se opuseram ao semi-pelagianismo, e para confirmar isto basta ler os seus sermões evangelísticos.41 Eles não apenas seguiram Calvino em suas ênfases teológicas, mas aprofundaram sua compreensão evangelística.42 O sistema teológico dos puritanos, longe de ser centrado no homem, é centrado em Deus, o Senhor Deus dos Exércitos, que tem o seu trono no céu! Eles nos lembram que “o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre!”
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