"Obama mostra que acordou para a vida ao firmar acordo nuclear com Irã"
Professor de Relações Internacionais, Reginaldo Nasser fala em 'bom senso' do líder norte-americano ao firmar acordo, mesmo contra a vontade de aliados como Israel e Arábia Saudita
Quando o presidente dos Estados Unidos (EUA), Barack Obama, assinou o acordo nuclear com o Irã, ele deixou de lado a influência de aliados como Israel e a Arábia Saudita e priorizou o bom senso, segundo o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Reginaldo Nasser.
"O que os EUA conseguiram se aliando a Israel e a Arábia Saudita? Críticas e se tornar alvo de terroristas do mundo todo. Esse acordo foi uma demonstração de que Obama finalmente acordou para a vida e tomou uma decisão que não prioriza aliados", analisa.
"Vamos supor que o acordo não dê certo. Por que o Irã decidiria atacar uma potência que tem um dos maiores exércitos do mundo? O Irã encontrou mecanismos para lidar com as sanções, mas está muito atrasado e sabe que não ganharia nada com ações dessa natureza. Isso está fora de cogitação", avalia.Por meio do acordo, que contou com aprovação das potências mundiais do grupo 5+1 – Rússia, China, Reino Unido, Alemanha e o próprio EUA –, o Irãaceitou limitar sua atividade nuclear em troca da suspensão de sanções econômicas internacionais. Mas nem todos os países viram com bons olhos essa aproximação política. O premiê israelense Benjamin Netanyahu, por exemplo, que considera o país um inimigo mortal, afirmou em julho que esse é um "erro histórico", termo que Nasser diz ser equivocado.
Em conversa com o iG, o mestre em ciências políticas e doutor em ciências sociais analisa o acordo – que prevê a remoção de dois terços das centrífugas instaladas no Irã, o fim de 98% do urânio enriquecido do país e o acesso da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) "quando e onde for necessário" – e o que muda no mundo a partir desse novo contrato.
Por que os EUA decidiram assinar só agora o acordo nuclear com o Irã?Reginaldo Nasser – Entendo que os EUA assinaram esse acordo principalmente pela situação que está o Oriente Médio com a questão do Estado Islâmico, que tem agido bem perto das fronteiras de aliados como Israel, Jordânia e a Arábia Saudita. A situação é muito instável e o Irã pode ser um país importante e confiável neste momento.
Nessa lógica, Israel e a Arábia Saudita não deveriam criticar essa medida...Nasser – É que esses países sabem que o apoio dos EUA tornará o Irã mais poderoso na região. A Arábia saudita disputa poder diretamente com o Irã por ali. Mas o Irã não é uma ameaça. Ele aparece como o grande malvado da história por conta de suas vendas de armas para o Hamas, Hezbollah. Mas, na verdade, o Irã age como qualquer outro país. A Arábia Saudita financiou os jihadistas do Estado Islâmico no início da luta armada. Já Israel teme que o Irã invada o país ou acabe com a humanidade com uma bomba nuclear. Mas vamos supor que o acordo com o Irã não dê certo. Por que o país atacaria um dos exércitos mais poderosos do mundo? Quem sairia perdendo nesse embate? O governo de Israel quer fazer do Irã o grande vilão do mundo. É conveniente para Netanyahu ter um Irã mau. Mas os iranianos não têm condições de atacar Turquia, nem Israel, nem qualquer outro Estado.
Qual a motivação para esse acordo dos EUA com o Irã nesse momento? Nasser – Os EUA fizeram esse acordo pensando em melhorar sua reputação, entre outras coisas. O que eles ganharam fazendo vista grossa para as ações da Arábia Saudita e de Israel? Isso só trouxe problemas para os EUA. Além de aumentar a rejeição deles na região, aparecem também inúmeros grupos terroristas querendo atacar o país. Agora foi única e exclusivamente questão de bom senso: o Obama [Barack, presidente dos EUA] acordou para a vida até para ver se muda a forma como os outros países veem os EUA. Ele joga o jogo da influência.
iG – E o que de fato muda na economia do Oriente Médio com o acordo?Nasser – Esse acordo vai fortalecer o Irã. É disso que os outros países têm medo. Politicamente vai trazer muitos benefícios e um avanço enorme para o Irã e para a região, que terá mais uma fonte importante de petróleo e mais relevância. Israel diz que, com mais dinheiro, o país vai aumentar seu poderio militar comprando mais armas e investindo em seu exército. Mas e o número de armas que a Arábia Saudita compra anualmente dos EUA? E o investimento que Israel faz nas forças armadas? Se é para criticar a administração nuclear do Irã, ok. Vamos acabar com isso. Mas acabar no mundo inteiro.
Esse conflito de interesses no Oriente Médio pode gerar novos confrontos na região?Nasser – Depende. A Arábia Saudita disputa influência com o Irã. E ser um aliado dos EUA nesse caso te dá muitos privilégios. Quando a Arábia Saudita interveio no Iêmen mandando tropas, ninguém falou nada. A partir de agora, esse cenário muda. E pode ser perigoso. O que foi a guerra Irã-Iraque (1980-1988)? Disputa de influência regional, basicamente. Mas não creio que uma nova guerra possa surgir. Hoje acho muito difícil que se repita um confronto dessa magnitude por causa de influência. A questão nuclear deve ser encarada como uma tentativa de ascensão, e não de conflitos armados.
Daqui para frente, como deve ser a atuação dos EUA para garantir que o Irã cumpra o papel no acordo?Nasser – O Irã tem um regime autoritário. Isso não está em discussão. Mas acredito que deve haver confiança. E confiança mútua. O que houve com o Iraque antes da invasão americana? O Hussein proibiu as inspeções, EUA e Inglaterra acusaram o país de ter arma nuclear, invadiram o país e não acharam nada. E aí, cadê as armas de destruição em massa? E se isso se repete no Irã? Por que o Irã também vai confiar nos EUA?
Iraniana faz sinal da vitória após confirmação de acordo nuclear, nesta terça-feira (14). Foto: AP
Por que o Irã busca tanto as armas nucleares?Nasser – Para se proteger. A partir de 1979, quando o país se tornou inimigo dos Estados Unidos (EUA), o Irã têm investido nessa alternativa e intensificou a produção nos anos 2000. E o que houve no Oriente Médio nessa época? Os EUA invadiram o Afeganistão em 2001 e o Iraque, que faz fronteira com o Irã, em 2003. É claro que o país se sentiu ameaçado. Qual a desculpa dos EUA para ocupar o Iraque? Armas de destruição em massa. E onde estão essas armas? Firmar esse acordo não foi uma mostra de confiança apenas dos EUA. Mas do Irã também.
0 Comentários